A infância após o
paraíso do útero materno
O ventre materno pode ser utilizado como uma excelente metáfora a
respeito do que poderia ser um paraíso. Esse lugar aconchegante de cuidados
plenos, onde nada falta e nada se precisa fazer para obter o suprimento das
necessidades e desejos. Após a “expulsão” desse paraíso, se apresentam inúmeros
desafios, que iniciam com a transição do paraíso para o mundo externo e em
descobertas de que agora é preciso respirar e sugar para sobreviver. Nessa
inserção ao mundo novo, apesar dos desafios, inicia-se uma das mais lindas e
belas fases da vida, a infância. Essa fase dourada das fantasias e fascinações,
em descobertas do mundo novo para além do paraíso do útero materno, certamente
não é o mundo adulto, e quem a vive não é um miniadulto.
Crianças não são
miniadultos
Nem sempre a infância foi reconhecida. Somente após o advento da
ciência, que passamos e entender que crianças não são miniadultos, mas se
encontram num estágio evolutivo diferenciado de outros estágios da vida humana.
A infância compõe, segundo a Organização Mundial da Saúde, a faixa etária dos
zero aos dez/doze anos de idade. Nesse período etário as crianças passam por
adaptações evolutivas específicas, que precisam ser reconhecidas como
indispensáveis para um desenvolvimento humano satisfatório. O desenvolvimento
infantil não ocorre por mero acaso, mas depende da sua interação com o meio, de
acordo com sua faixa etária. O período etário da infância é um marco
específico do ciclo vital familiar, no qual ocorre uma evolução dinâmica da
família com a chegada dos filhos.
No primeiro ano e
meio de vida
Nesse período, as crianças dependem dos pais para tudo, desde a
alimentação, afeto e proteção, e por isso precisarão confiar inteiramente neles
para a provisão de suas necessidades básicas. Se supridas satisfatoriamente,
contribuirá para estabelecer uma relação de segurança, conforto e confiança
também com outras pessoas. Esse período é o importante momento da inclusão e a
família deve se reorganizar para essa tarefa. O casal deve assumir o papel
parental, adaptando sua unidade conjugal para dar espaço aos filhos que chegam,
ao mesmo tempo em que deve preservar o seu papel conjugal.
Após os dezoito
meses até os três anos
Nesse período, as crianças dão um grande salto em seu desenvolvimento.
Ocorre o desmame e aprende a andar, falar e ir ao banheiro. Com isso conquista
alguma autonomia e ganha autoconfiança. Agora com algum domínio sobre o
ambiente, segue rumo a toda exploração possível e com a aquisição da linguagem,
mesmo precária, aumenta sua interação com o ambiente, comunicando-se
verbalmente. Porém se for humilhado, desprezado, poderá não desenvolver boa
auto-estima e passar a duvidar da própria capacidade. A vida familiar com a
presença desse explorador, em todo o seu tempo acordado, terá que se adaptar
para cuidados especiais. As janelas precisarão de telas e os materiais de
limpeza, os perfumes e os objetos cortantes não poderão ficar ao seu alcance.
Ao mesmo tempo em que os membros familiares toleram algumas baguncinhas pela
casa, algumas regras ajudarão a criança a se organizar e se sentir segura.
Dessa forma também saberá se comportar quando estiver fora de casa e assim
minimizar as experiências de vergonha que nessa fase são extremamente
perniciosas. Os pais entrarão em contato com um mercado de brinquedos altamente
estimulante e consumista, e será preciso aprender que a criança precisa mais do
seu afeto e amor presencial do que de muitas coisas. Brincar de rolar no chão,
por exemplo, pode ser muito divertido e mais significativo do que deixar a criança
sozinha com um tablet ou celular na mão.
Dos três aos seis anos
Nesse período, as crianças alcançam a expansão da linguagem e o controle
dos movimentos corporais. Aumentam a sua curiosidade e passam a ter iniciativa
em conhecer e experimentar o novo. Através do brincar conhecem e explicam o seu
mundo. Começam a interagir mais intensamente com brincadeiras junto com outras
crianças. Nessa interação surge a culpa que decorre dos conflitos, em que
descobrem o seu desejo contraposto ao desejo do outro, e que a existência do
não é também uma realidade nas interações sociais. Segundo Erikson, a criança
saudável aprende a imaginar, a brincar no mundo do faz-de-conta e da fantasia,
a cooperar com os outros, a dar e receber ordens. Os pais devem estabelecer controle
que permita espaço para avançar e ao mesmo tempo garanta segurança e autoridade
parental. É tarefa dos pais estimularem seu filho a imaginar, aprender e
cooperar em acordo com as regras estabelecidas para toda a família.
Dos seis até os
doze anos
Dos seis anos em diante, as crianças adquirem noções básicas para a vida
em sociedade, como relacionar-se em grupo de acordo com as regras sociais,
brincar em grupo de forma organizada, seguindo regras, ir à escola, aprender
matemática, leitura e estudos sociais. Vão desenvolvendo habilidades como ler,
escrever, jogar, calcular, nadar e andar de bicicleta. A criança saudável gosta
de conquistar novas habilidades e conhecimentos e de dominá-los. Para Erikson,
pais e escolas que incentivam e estimulam, ajudam a evitar o fracasso pessoal e
o sentimento de inferioridade. A socialização que já vinha acontecendo em
certa medida, nessa fase aumentará. Novamente os pais são os principais agentes
nesse processo, em que a criança desenvolve o sentido de pertencimento
juntamente com a separação. A criança aprende a se relacionar com grupos
extrafamiliares, inserindo-se no meio que a rodeia e ao qual também pertence.
Aos pais pertence a tarefa de avaliar se o meio é ou não seguro e assumir a
responsabilidade de monitorar a socialização de seus filhos.
Reconhecendo a
infância na contemporaneidade
Acompanhar as crianças na fase evolutiva denominada infância significa
respeitar a evolução gradativa que cada fase do desenvolvimento humano exige.
Caso contrário corremos o risco de retornar a percepção de que as crianças são
miniadultos, conforme se tinha na Idade Média. Retornamos a essa percepção na
contemporaneidade quando adultizamos nossas crianças. Para que as crianças
possam dar conta de crescer e se desenvolver satisfatoriamente é necessário
liberar as crianças das tarefas de adultos.
As tarefas de
adultos
São tarefas específicas que devem ser assumidas pelos adultos da casa e
não pelas crianças. Por exemplo, é dos adultos a tarefa de: (a) monitorar o
clima emocional da casa, desenvolvendo uma fala assertiva – não violenta – e
uma escuta empática; (b) monitorar as irritações, desenvolvendo autocontrole
emocional; (c) instruir as regras, as rotinas e as dinâmicas familiares, como
refeições, sono, passeios, direitos e deveres; (d) promover a educação para a
vida, ajudando os filhos no desenvolvimento gradativo da independência e na
aquisição da autonomia. Quando os adultos transferem essas tarefas para as
crianças, a família sofre uma inversão nos papéis de seus membros e
sobrecarrega as crianças com tarefas que não são suas, podendo prejudicar o seu
desenvolvimento.
VAMOS DEIXAR NOSSAS CRIANÇAS VIVER A INFÂNCIA!
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