Capítulo 1
Criação do mundo. Adão e Eva desobedecem à ordem de Deus, e Ele os expulsa do paraíso terrestre.
1. Gênesis 1. No
princípio, Deus criou o céu e a Terra, mas a
Terra não era visível porque estava
coberta de trevas espessas, e o Espírito de Deus adejava por cima dela.
Deus ordenou em seguida que se fizesse a luz, e a luz apareceu imediatamente.
Depois de ter considerado essa massa, Deus separou a luz das trevas. Às trevas chamou
noite, e à
luz, dia, dando ao começo
do dia o nome de manhã,
e ao fim, o de tarde. Foi ao primeiro dia que Moisés chamou "um dia",
e não "o primeiro
dia", por razões
que eu poderia explicar, mas, como prometi escrever sobre todas essas coisas em
um trabalho especial, reservo-me para falar disso nele.
No segundo dia, Deus criou o céu, separou-o de todo
o resto e colocou-o por cima, como sendo o mais nobre. Rodeou-o de cristal e
temperou-o com umidade própria
para formar as chuvas que regam docemente a terra, para torná-la fecunda. No
terceiro dia, tornou fixa a terra, rodeou-a pelo mar e fê-la produzir as
plantas com as suas respectivas sementes. No quarto dia, criou o Sol, a Lua e
os outros astros e colocou-os no céu para lhe serem o ornamento
principal. Regulou de tal maneira os seus movimentos e o seu curso que eles
determinam claramente as estações
e as revoluções
do ano. No quinto dia, criou os peixes que nadam na água e os pássaros que voam no ar
e quis que formassem casais, a fim de crescerem e se multiplicarem, cada um
segundo a sua espécie.
No sexto dia, criou os animais terrestres e distinguiu-os em sexos diversos,
fazendo-os macho e fêmea.
E, nesse mesmo dia, criou também
o homem. Assim, segundo o que refere Moisés, Deus criou em seis dias o mundo e todas as coisas que nele existem. No sétimo dia, Ele
descansou e deixou de trabalhar as grandes obras da criação do mundo: é por esse motivo que
não trabalhamos nesse
dia e lhe damos o nome de sábado, que
em nossa língua
quer dizer "descanso".
2.
Gênesis
2. Moisés fala ainda mais
particularmente da criação
do homem. Ele diz que Deus tomou pó da terra, fez o homem e, com a alma,
inspirou nele o espírito
e a vida. Ele acrescenta que esse homem foi chamado Adão, que em hebreu
significa "ruivo", porque a terra de que ele foi formado era dessa
cor, que é
a cor da terra natural e a qual se pode chamar virgem.
Deus mandou vir os animais, tanto os
machos quanto as fêmeas,
para diante de Adão,
e este, o primeiro de todos os homens, deu-lhes os nomes que conservam ainda
hoje.
3.
Deus, vendo que Adão
estava sozinho, enquanto os outros animais tinham cada qual uma companheira,
quis também
dar-lhe uma consorte. Para isso, quando ele estava adormecido, tirou-lhe uma
das costelas, da qual formou a mulher. E, logo que Adão a viu, percebeu que
ela havia sido tirada dele e que era parte dele mesmo. Os hebreus dão à mulher o nome de
Issa, e a que foi a primeira de todas chamou-se Eva, isto é, "mãe de todos os
viventes".
4.
Moisés
narra em seguida como Deus plantou do lado do oriente um delicioso jardim, que
cumulou de todas as espécies
de plantas, entre elas, duas árvores,
uma das quais era a árvore
da vida, e a outra, a da ciência,
que ensinava a discernir o bem do mal. Ele colocou Adão e Eva nesse jardim
e mandou que cultivassem as plantas. O jardim era regado por um grande rio, que
o rodeava completamente e se dividia em quatro outros rios. O primeiro desses
rios, chamado Pisom, que significa "plenitude" e ao qual os gregos
chamam Canges, corre para a índia
e desemboca no mar. O segundo, que se chama Eufrates e Fora, em nossa língua, significa
"dispersão"
ou "flor", e o terceiro, a que chamam Tigre ou Diglath, que significa
"estreito e rápido",
ambos desembocam no mar Vermelho. O quarto, de nome Giom, que significa
"que vem do oriente", é chamado Nilo pelos gregos e atravessa
todo o Egito.
5. Deus ordenou a Adão e Eva que comessem
de todos os frutos, mas lhes proibiu de tocar no da ciência, alertando-os de
que morreriam se o comessem. Havia então perfeita harmonia entre todos os
animais, e a serpente estava muito acostumada com Adão e Eva. Mas como a
sua malícia a fizesse invejar
a felicidade de que ambos desfrutariam se observassem a ordem de Deus e julgasse
ela que, ao contrário,
eles seriam vítimas
de todas as desgraças
se desobedecessem, tratou de persuadir Eva a comer do fruto proibido. Para melhor induzi-la, disse-lhe que o fruto
continha uma virtude secreta, que dava o conhecimento do bem e do mal, e
que se ela e o marido comessem dele, seriam tão felizes quanto Deus. Assim, a
serpente enganou a mulher, e esta desprezou a ordem divina: comeu o fruto,
alegrou-se por tê-lo
feito e induziu Adão
a comê-lo também. Ora, como era
verdade que o fruto dava grandíssimo
discernimento, eles logo perceberam que estavam nus e sentiram vergonha. Então tomaram folhas de
figueira para se cobrir, julgando-se mais felizes do que antes, porque agora
conheciam o que até
ali haviam ignorado.
Deus entrou no jardim, e Adão, que antes do
pecado conversava familiarmente com Ele, não ousou apresentar-se, por causa da
falta que havia cometido. Deus perguntou-lhe por que, em vez de sentir prazer
em se aproximar dEle, estava fugindo e se escondendo. Como Adão não soubesse o que
responder, porque se sentia culpado, Deus lhe disse: "Eu vos havia
provido de tudo o que poderíeis
desejar para viver sem penas e com prazer uma vida isenta de qualquer cuidado,
que teria sido ao mesmo tempo muito longa e feliz. Mas vós vos opusestes ao
meu desígnio, desprezastes a
minha ordem e não
é por respeito que
vos calais, mas porque a vossa consciência vos acusa". Adão, então, fez o que podia
para se desculpar, pediu a Deus que lhe perdoasse e lançou a sua falta sobre
a mulher, que o enganara e fora a causa de seu pecado. Ela, por sua vez, alegou
que a serpente a havia enganado. Por isso Deus, para castigar Adão por assim se ter
deixado vencer, declarou que a terra não produziria mais frutos, a não ser para aqueles
que a cultivassem com o suor do rosto, e mesmo assim não daria tudo o que
dela se poderia desejar. Castigou também Eva, estabelecendo que, por se haver
deixado enganar pela serpente e atraído todos aqueles males sobre o
marido, ela teria filhos com dor e sofrimento. E, para castigar a serpente pela
sua malícia, condenou-a a
rastejar pela terra, declarando que ela seria inimiga do homem. Depois que
Deus impôs a todos o devido
castigo, expulsou Adão
e Eva daquele jardim de delícias.
Capítulo 2
Caim mata seu irmão Abel. Deus o expulsa. Sua posteridade é tão má quanto ele. Virtudes de Sete, outro filho de Adão.
6. Gênesis 4. Adão e Eva tiveram dois
filhos e três
filhas. O primeiro chamava-se Caim, que
significa "aquisição",
e o segundo, Abei, que quer dizer "aflição". Os dois eram de temperamentos completamente
opostos. Abel, que era pastor de rebanhos, era mais justo. Considerava que
Deus se fazia presente em todas as suas ações e só pensava em agradar-lhe. Caim, ao
contrário, que por primeiro
trabalhou a terra, era muito mau. Buscava apenas proveito próprio. A sua horrível impiedade levou-o
ao excesso de furor, a ponto de matar o próprio irmão. Eis a causa disso:
Ambos resolveram oferecer um sacrifício a Deus, Caim, dos
frutos de seu trabalho, e Abel, do leite e das primícias de seu rebanho.
Deus demostrou aceitar melhor o sacrifício de Abel, que era produção livre da natureza,
do que a oferta que a avareza de Caim dela havia tirado, quase à força. O orgulho de Caim
não pôde tolerar que Deus
tivesse preferido o irmão
a ele: matou-o e escondeu o corpo, esperando que assim ninguém tivesse ciência de seu crime.
Deus, porém,
a cujos olhos nada há
de oculto, perguntou-lhe onde estava o irmão, que não via há vários dias, pois antes eles estavam
sempre juntos. Caim, não
sabendo o que responder, disse primeiro que se admirava de também não o ter visto mais.
Todavia, como Deus insistisse, respondeu-lhe insolen-temente que não era nem senhor nem
guarda do irmão
e que não se havia encarregado
de cuidar daquilo que não
lhe dizia respeito. Deus então
perguntou-lhe como se atrevia a afirmar nada saber do que acontecera ao irmão, se ele mesmo o
havia matado. E, se Caim não
tivesse oferecido imediatamente um sacrifício para acalmar-lhe a cólera, teria recebido
naquele mesmo instante o castigo que o seu crime bem merecia. Deus, no entanto,
amaldiçoou-o, ameaçou castigar os seus
descendentes até
a sétima geração e expulsou-o. Porém, como Caim temesse
que, andando errante, animais ferozes o devorassem, Deus o tranqüilizou contra esse
temor. Deu-lhe um sinal, com o qual podia ser reconhecido, e ordenou-lhe que se
fosse.
7. Depois de haver atravessado
diversos países,
Caim estabeleceu residência
em um lugar chamado Node, onde teve vários filhos. No entanto o castigo, em
vez de torná-lo
melhor, fê-lo,
ao contrário, muito pior.
Abandonou-se a toda sorte de prazeres e até usou de violência, apoderando-se
de bens alheios para enriquecer-se. Reuniu homens maus e celerados, dos quais
se tornou o chefe, e ensinou-os a cometer toda espécie de crimes e de ações ímpias. Mudou a
inocente maneira de viver que adotara no princípio, inventou os pesos e as medidas e
substituiu a franqueza e a sinceridade, tão mais louváveis e simples, pela
astúcia e pelo engano.
Ele foi o primeiro a estabelecer limites para a divisão de propriedades e
construiu uma cidade. Chamou-a Enoque, nome de seu filho mais velho, rodeou-a
de muralhas e a povoou.
Enoque teve por filho Irade, Irade gerou Meujael, Meujael a
Metusalém e Metusalém a Lameque. Lameque teve setenta filhos de suas duas esposas, Zilá e Ada, um dos quais, de
nome jabal, filho de Ada, foi o primeiro a morar embaixo de tendas e de pavilhões, levando uma vida
de simples pastor. Jubal, seu irmão, inventou a música, o saltério e a harpa.
Tubalcaim, filho de Zilá,
sobrepujava a todos os outros em coragem e força, e foi grande comandante. Nesse
entretempo, enriqueceu e serviu-se de suas riquezas para viver ainda mais
suntuosamente do que até
então. Ele inventou a
arte de forjar e teve apenas uma filha, de nome Naamá. Como Lameque era
muito instruído
nas coisas divinas, julgou facilmente que sofreria a pena do assas-sínio de Caim, na
pessoa de Abel, e disse-o às
suas duas mulheres.
Eis como a posteridade de Caim
chafurdou-se em toda espécie
de crimes. Não
se contentaram em imitar os de seus pais, mas inventaram outros. Entre eles,
havia assassínios
e latrocínios, e os que não mergulhavam as mãos em sangue estavam
cheios de orgulho e de avareza.
8. Adão ainda vivia e tinha cento e trinta
anos. A morte de Abel e a fuga de Caim fizeram-no desejar ardentemente outros
filhos. E teve mesmo vários:
depois de viver ainda oitocentos anos, morreu na idade de novecentos e trinta
anos.
9. Seria demasiado longo discorrer
sobre todos os filhos de Adão.
Contentar-me-ei em dizer algo de um deles, de nome Sete. Educado junto de seu
pai, deu-se com afeto à
virtude. Deixou filhos semelhantes a ele, que permaneceram em sua terra, onde
viveram felizes e em perfeita união. Deve-se ao seu espírito e ao seu
trabalho a ciência
dos astros. Como os seus filhos haviam sido informados por Adão que o mundo
pereceria pela água
e pelo fogo, o medo de que essa ciência se perdesse antes que os homens a
aprendessem levou-os a construir duas colunas, uma de tijolos e outra de
pedras, e sobre elas gravaram os conhecimentos que possuíam. Se um dilúvio destruísse a coluna de
tijolos, ficaria a de pedras, para conservar à posteridade a memória daquilo que
haviam escrito. A previdência
deles deu bom resultado, e afirma-se que a coluna de pedras pode ser vista
ainda hoje, na Síria.
Capítulo 3
Da posteridade de Adão até o dilúvio, do qual Deus preservou Noé por meio da arca, prometendo-lhe não mais castigar os homens com dilúvio.
10. Gênesis 5. Sete
gerações continuaram a
viver no exercício
da virtude e no culto do verdadeiro
Deus, ao qual reconheciam por único Senhor do universo.
Mas as que vieram em seguida não imitaram os
costumes dos pais. Não
prestavam mais a Deus a honra que lhe era devida nem exerciam mais a justiça para com os homens,
mas se entregavam com mais ardor ainda a toda sorte de crimes, enquanto os
seus antepassados se haviam dedicado à prática de toda espécie de virtudes.
Assim, atraíram
sobre si a cólera
de Deus, e os grandes* da terra, que se haviam casado com as filhas dos
descendentes de Caim, produziram uma raça indolente que, pela confiança que depositavam na
própria força, se vangloriava de
calcar aos pés
a justiça e imitava os
gigantes de que falam os gregos.
_____________________
* Nessa época, havia duas raças distintas: a
descendência de Sete e a de
Caim. Os expositores modernos, em sua maioria, concordam que os "filhos de
Deus", citados em Gênesis
6.2, constituíam
a descendência
de Sete, e os "filhos dos homens", a descendência de Caim. (N do
E)
11. Noé, entristecido pela dor de vê-los imersos nos crimes,
exortava-os a mudar de vida. Mas quando viu que em vez de seguir os seus
conselhos eles se tornavam cada vez piores, o temor de que o fizessem morrer
com toda a sua família
levou-o a deixar a sua pátria.
Deus, que o amava por causa de sua probidade, ficou tão irritado pela malícia e corrupção do resto dos homens
que resolveu não
somente castigá-los,
mas exterminá-los
completamente e repovoar a terra com homens que vivessem na pureza e na inocência. Assim,
abreviou-lhes o tempo da vida, reduzindo-o a cento e vinte anos, inundou a
terra de modo a parecer que ela havia sido tomada pelo mar e fê-los todos perecer
nas águas, com exceção de Noé. A este, para salvá-lo, ordenou que
construísse uma arca de
quatro andares, com trezentos côvados
de comprimento, cinqüenta
de largura e trinta de altura; que lá se encerrasse com a esposa, os três filhos e as três esposas deles; e
que levasse todo o necessário
para o seu alimento e também
para os animais de todas as espécies,
os quais ele deveria levar consigo, para conservar-lhes a raça. Isto é, um casal de cada
espécie, macho e fêmea, e sete casais de
algumas. O teto e os lados da arca eram tão fortes que ela resistiu à violência das águas e dos ventos e
salvou Noé
e sua família
da inundação
geral que fez morrer todos os outros homens. Ele era o décimo descendente de
Adão, de masculino em
masculino, pois era filho de Lameque, que era filho de Metusalém. Metusalém era filho de
Jarede. Jarede era filho de Maalalel, que tinha vários irmãos. Maalalel era filho de Cainã. Cainã era filho de Enos.
Enos era filho de Sete, e Sete era
filho de Adão.
12. Noé tinha seiscentos anos quando veio o
dilúvio. Foi no segundo mês, que os macedônios chamam dius, e
os hebreus, maresvã,
pois os egípcios
assim dividiram o ano. Quanto a Moisés, ele deu, nos seus fastos, o
primeiro lugar ao mês
chamado nisã,
que é o xântico macedônio, porque foi nesse
mês que ele retirou os
hebreus da terra do Egito e por essa razão começou por esse mesmo mês a registrar o que
se refere ao culto a Deus. No que se refere às coisas civis, no entanto, como as
feiras e mercados determinados pelo comércio e empreendimentos semelhantes, não houve mudança alguma. Moisés registra que a
chuva causadora do dilúvio
geral começou
a cair no dia 27 do segundo mês
do ano 2256 depois da criação
de Adão. A Sagrada
Escritura faz o cálculo
disso e anota com cuidado muito particular o nascimento e a morte dos grandes
personagens daquele tempo.* Adão
viveu novecentos e trinta anos e tinha duzentos e trinta** quando nasceu o seu
filho Sete. Sete viveu novecentos e doze anos e tinha duzentos e cinco quando
nasceu o seu filho Enos. Enos viveu novecentos e cinco anos e tinha cento e
noventa quando nasceu o seu filho Cainã. Cainã viveu novecentos e dez anos e tinha
cento e setenta quando nasceu o seu filho Maalalel. Maalalel viveu oitocentos e
noventa e cinco anos e tinha cento e sessenta e cinco quando nasceu o seu filho
Jarede. Jarede viveu novecentos e sessenta e dois anos e tinha cento e sessenta
e dois quando nasceu o seu filho Enoque. Enoque viveu trezentos e sessenta e
cinco anos e tinha cento e sessenta e cinco quando nasceu o seu filho
Metusalem. Na idade de trezentos e sessenta e cinco anos, foi tirado do mundo,
e ninguém escreveu sobre a
sua morte.
Metusalem viveu novecentos e sessenta
e nove anos e tinha cento e oitenta e sete quando nasceu o seu filho Lameque.
Lameque viveu setecentos e setenta e sete anos e tinha cento e oitenta e dois
quando nasceu o seu filho Noé.
Noé viveu novecentos e
cinqüenta anos, os quais,
acrescentados aos seiscentos que já contava na ocasião do dilúvio, perfazem o número anteriormente
assinalado de dois mil duzentos e cinqüenta e seis anos. Foi mais conveniente
para esse cálculo
citar, como fiz, a época
do nascimento desses primeiros homens, e não a de sua morte, porque a vida deles
era tão longa que se
estendia até
a posteridade mais remota.
____________________
* Este trecho está inteiramente
corrompido no texto grego e foi corrigido pelo que dizem os manuscritos.
** Algumas idades neste trecho diferem
do relato bíblico
porque seguem a cronologia da Septuaginta — o texto da Bíblia é baseado na
cronologia hebraica. (N do E)
13. Gênesis 7e8. Deus,
então, deu o sinal e
livre curso às
águas, a fim de inundarem
a terra, e elas elevaram-se, por uma chuva contínua de quarenta dias, até quinze côvados acima das mais
altas montanhas e não
deixaram nenhum lugar para onde o povo pudesse fugir e salvar-se. Depois que a
chuva cessou, passaram-se cento e cinqüenta dias antes que as águas se retirassem, e
somente no vigésimo
sétimo dia do sétimo mês a arca se deteve
sobre o vértice
de uma montanha da Armênia.
Noé então, abriu uma janela
e, vendo um pouco de terra ao redor da arca, começou a se consolar e a conceber melhores
esperanças. Alguns dias
depois, ele fez sair um corvo para saber se havia ainda outros lugares de onde
as águas se tivessem
retirado completamente e se ele podia sair sem perigo. O corvo, porém, achando a terra
ainda toda inundada, voltou à
arca. Sete dias depois, Noé
fez sair uma pomba, e ela voltou com os pés enlameados, trazendo no bico um ramo
de oliveira. Assim, ele soube que o dilúvio havia cessado. Após haver esperado
outros sete dias, fez sair todos os animais que estavam na arca. E ele também saiu, com a mulher
e os filhos, ofereceu um sacrifício
a Deus em ação
de graças e deu um banquete à família.
Os armênios chamaram a esse lugar Descida ou
Saída, e os seus
habitantes apontam ainda hoje alguns restos da arca. Todos os historiadores,
mesmo os bárbaros,
falam do dilúvio
e da arca, dentre outros Berose, caldeu. Eis as suas palavras: "Diz-se que
ainda hoje se vêem
restos da arca sobre a montanha dos Cordiens, na Armênia, e alguns levam
desse lugar pedaços
de betume, com o qual ela estava recoberta, e dele se servem como impermeabilizante".
jerônimo, egípcio que escreveu
sobre as antigüidades
dos fenícios, Mnazeas e vários outros disso
falam também.
Nicolau de Damasco, no nonagésimo
sexto livro de sua história,
menciona-o nestes termos: "Há na Armênia, na província de Miniade, uma
alta montanha chamada Baris, sobre a qual, diz-se, muitos se salvaram durante
o dilúvio, e que uma arca
cujos restos se conservaram por vários anos, e na qual um homem se havia
encerrado, deteve-se no cume dessa montanha. Há probabilidade de que esse homem é aquele de que fala
Moisés, o legislador dos
judeus".
14.
Gênesis
8 e 9. Com medo de que Deus inundasse a terra todos os
anos, a fim de exterminar a raça
dos homens, Noé
ofereceu-lhe vítimas,
rogando que nada mudasse na ordem estabelecida anteriormente e que Ele não usasse de tal
rigor, fazendo perecer todas as criaturas vivas, mas se contentasse por ter
castigado os maus, como os seus crimes mereciam, e por ter poupado os
inocentes, aos quais Ele quisera salvar a vida. Pois, de outro modo, eles
seriam ainda mais infelizes do que os que haviam sido sepultados nas águas, tendo visto com
tremor tão estranha desolação e tendo dela sido
preservados apenas para perecer mais tarde, de maneira semelhante. Assim,
rogava que Deus aceitasse o seu sacrifício e não mais olhasse para a terra com cólera, de jnodo que
ele e seus descendentes pudessem cultivá-la sem medo, construir cidades,
desfrutar de todos os bens que possuíam antes do dilúvio e passar uma vida
tão longa quanto feliz,
como a de seus antepassados.
Como Noé era homem justo, Deus atendeu à sua oração e concedeu-lhe o
que pedia, dizendo-lhe que não
fora o patriarca a causa dos que se haviam perdido no dilúvio; que eles só podiam acusar a si
mesmos pelo castigo recebido; que, se tivesse querido perdê-los, não os teria feito
nascer, sendo mais fácil
não dar a vida do que a
tirar após tê-la concedido; que
eles deviam, portanto, atribuir os castigos aos seus próprios crimes; que, em
consideração
à sua oração, não lhes seria mais tão severo no futuro; e
que, quando viessem tempestades e furacões extraordinários, nem ele nem
seus descendentes deveriam pensar num outro dilúvio, pois Ele não mais permitiria que
as águas inundassem a
terra. Contudo proibia a ele e aos seus manchar as mãos no sangue, e
ordenava-lhes que castigassem severamente os homicidas, e os fazia senhores
absolutos dos animais, para dispor deles como quisessem, exceto de seu sangue,
do qual não
podiam usar como do resto, porque no sangue está a vida. "E meu arco",
acrescentou, "que vereis no céu, será o sinal e a garantia da promessa que
vos faço". Isso disse
Deus a Noé.
E ao arco que apareceu no céu,
chamaram arco de Deus.
15. Noé viveu trezentos e cinqüenta anos depois do
dilúvio, na máxima prosperidade, e
morreu com novecentos e cinqüenta
anos de idade. Por maior que seja a diferença entre a pouca duração da vida dos homens
de hoje e a longa duração
da dos de que acabo de falar, o que narro não deve passar por inverossímil. É que, além de os nossos
antepassados serem muito queridos de Deus, e como obra que Ele havia feito com
as próprias mãos, os alimentos de
que se nutriam eram mais apropriados para conservar a vida. E Deus a
prolongava, tanto por causa de sua virtude como para lhes dar meios de aperfeiçoar as ciências da geometria e
da astronomia, que eles haviam inventado — o que eles não teriam podido fazer
se tivessem vivido menos de seiscentos anos, pois é somente após a revolução de seis séculos que se completa
o grande ano. Todos os que escreveram a história, tanto da Grécia como de outras nações, dão testemunho do que
digo. Mâneto, que escreveu a
história dos egípcios, Berose, que nos deixou a dos caldeus. Moco, Hestieu e Jerônimo, que escreveram a dosfenícios, dizem também a mesma coisa. Hesíodo, Hecateu,
Ascausila, Helânico,
Éforo e Nicolau,
referem que esses primeiros homens viviam até mil anos. Deixo aos que lerem isto
que façam o juízo que quiserem.
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