Elisa Leão*
Eu podia sair de casa, levar meus
filhos para a escola, trabalhar, ir a academia, ao supermercado, ao shopping,
almoçar fora, buscar meus filhos na escola, conversar com a professora, jantar
fora, encontrar amigos, ir à igreja… talvez não nessa ordem, mas a minha vida
era diferente do que estou vivendo nesses últimos tempos de isolamento
social.
Alguém se identificou?
Tudo mudou, a liberdade foi roubada
por algo invisível e perigoso. Um inimigo que chegou se impondo e embora
microscópico, com um poder mortal. Mas por que? Qual é o motivo? Por que ficar
sem a liberdade do dia a dia? Por que ter problemas com o salário? Perder
pessoas queridas? Ter problemas sociais? Ter Problemas econômicos? Por que ter
que trabalhar e trabalhar em casa e trabalhar para a casa e cuidar das crianças
e ter que se transformar em faxineira, professora e tudo isso de uma vez? Em
alguns momentos isso parece castigo! Castigo? Por que?
Mas… não preciso acordar tão cedo
para acordar às crianças e leva las para a escola. Posso tomar café com todos
da casa e ainda ter ajuda para tirar a mesa. Não preciso pegar trânsito para ir
ao trabalho e esse tempo que ganhei, posso entrar em contato com pequenos
desafios que eram tão difíceis como arrumar uma gaveta ou o armário. Desafios
como entrar na mais profunda intimidade que havia ficado silenciada pelos
barulhos das distrações. Desafio de olhar para a própria individualidade e as
próprias escolhas percebendo que tudo tem dois lados e posso escolher qual
deles eu vou focar.
Não vou ao supermercado e posso
descansar dessa tarefa, acionando aplicativo, sentada no sofá. Estou
economizando dinheiro porque não vou ao shopping, não compro roupa e nem
preciso nesse momento. As roupas precisam ser lavadas, mas passadas, só aquelas
que aparecem na tela da vídeo conferência. Hoje, o almoço foi um pic nic
no chão da sala, pois a mesa estava lotada de papéis, cadernos, computador, já
que todos estão trabalhando juntos, sentados lado a lado. Quando acabamos de
comer, todos tiraram os pratos do chão, lavamos e guardamos juntos, afinal de
contas já havia sido feita a negociação de flexibilizar o local de almoço e o
ajudar a arrumar a cozinha. Ganhamos um “bate papo” despretensioso e cheio de
significados cúmplices de uma família unida pelo amor. Através de olhares mais
demorados, entendemos que não somos perfeitos e que isso não importa, desde que
tenhamos mais desses olhares amorosos. Será melhor assim do que olhares de
acusações, isso tornaria as coisas muito mais difíceis. Fatalmente, acompanhei
as aulas dos meus filhos e quase chorei de emoção ao ouvir minha filha
dizer que estava feliz em ver os amigos através daquela vídeo aula organizada
pela escola que teve que se adaptar a força, a essa nova realidade. Senti
profundamente que essas crianças também estão sofrendo, que eles também
perderam e que estão se adaptando a realidade atual. A emoção também veio à
tona quando percebi a professora do meu filho que mesmo sem experiência, transformou
se numa educadora virtual e está fazendo melhor que muitas profissionais da
área de ensino a distância.
O momento escancara perdas e também
perdas de pessoas queridas. Senti que é preciso aproveitar ao máximo
essas pessoas da maneira que for possível. No momento, por ligações de
vídeo, ouvindo a voz, observando a expressão facial, as palavras mais usadas,
os contextos, as preocupações, o sotaque. Coisas que não chamavam a atenção,
mas agora salta aos olhos com um significado especial. É como se estivesse
conhecendo uma parte dessas pessoas que ainda não tinha visto ou que o desgaste
natural das relações não permitisse que se vissem nelas, fatores positivos.
Castigo ou oportunidade?
Depois do susto de sair da zona de
conforto a força, enfrentar a situação é uma oportunidade. Olhar ao redor
mostrou o bom de estar mais próxima dos meus filhos, do meu marido, da minha
casa e de uma parte, muitas vezes terceirizada e que é conquista de uma vida, é
escolha pessoal. Oportunidade de ver detalhes, sem distrações, do que realmente
vale a pena! Oportunidade de aproveitar esse momento que vai passar. A vida
normal vai voltar, a rotina vai se instalar novamente, mas quando isso
acontecer, penso que estaremos um passo adiante no nossa caminhada pessoal. O
inimigo invisível trouxe um confronto direto, um tapa na cara, de que temos que
cuidar de nós, temos que cuidar do outro próximo e temos que cuidar do outro
longe para sobrevivermos. Temos que valorizar quem cuida de nós, quem nos ajuda
a cuidar dos nossos filhos, da nossa casa.
Falar de Motivos? Muitos!
O motivo da possibilidade de conviver
consigo mesmo, percebendo o que realmente vale a pena. Superando os desafios
complexos do momento que exige auto controle, empatia, sociabilidade,
criatividade e fé!
O que vale realmente é a vida e o que é vida nessa vida.
*Professora doutora coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudos em
Aspectos Psicossociais do Desenvolvimento Humano da Faculdade Presbiteriana
Mackenzie Brasília e Psicóloga Clínica
Fonte: https://cppc.org.br/noticias/castigo-ou-oportunidade-um-debate-sobre-os-dias-de-quarentena.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário