Capítulo 11
Um anjo prediz que Sara terá um filho. Dois anjos vão a Sodoma.
Deus extermina a cidade. Somente Ló se salva com as suas duas
filhas e sua mulher, que é transformada em estátua de sal.
Nascimento de Moabe e deAmom. Deus impede que o rei
Abimeleque execute o seu mau intento com relação a Sara.
Nascimento de Isaque.
32.
Gênesis
18
e 19. Os povos de Sodoma, cheios de orgulho por sua abundância e grandes
riquezas, esqueceram-se dos benefícios que haviam recebido de Deus e não foram menos ímpios para com Ele do
que ultrajosos para com os homens. Odiavam os estrangeiros, e chafurdaram-se em
prazeres inomináveis.
Deus, irritado pelos seus crimes,
resolveu castigá-los:
destruir a sua cidade de tal modo que não restasse o menor
vestígio dela, tornando o
país tão estéril que jamais
pudesse produzir fruto ou planta alguma.
33.
Um dia, quando Abraão
estava sentado à
porta de sua casa, junto ao carvalho de Manre, três anjos apresentaram-se a ele.
Tomou-os por estrangeiros e, tendo-se levantado para saudá-los, ofereceu-lhes a
sua casa. Os anjos aceitaram a sua hospitalidade. Abraão mandou matar um
vitelo, que lhes foi servido assado com bolos de farinha. Puseram-se à mesa debaixo do
carvalho, e pareceu a Abraão
que eles comiam. Perguntaram-lhe depois onde estava a sua mulher. Ele
respondeu-lhes que estava em casa e mandou logo chamá-la. Quando ela
chegou, disseram-lhe que voltariam algum tempo depois e a encontrariam grávida. A essas
palavras ela sorriu, porque, sendo idosa — tendo já noventa anos, e seu marido, cem —, julgava que fosse
impossível. Então os anjos, não mais se ocultando,
declararam que eram enviados de Deus, um para anunciar-lhes que teriam um filho
e os outros dois para exterminar Sodoma. Abraão, consternado pela ruína daquele povo
infeliz, rogou a Deus que não
fizesse morrer os inocentes com os culpados. Deus respondeu-lhe que não havia lá inocentes e que, se
ao menos dez fossem encontrados como tais, Ele perdoaria a todos os outros. Depois
dessa resposta, Abraão
não ousou mais falar em
favor deles.
34.
Os anjos chegaram a Sodoma, e Ló, a exemplo de Abraão, também se mostrou muito
atencioso para com os estrangeiros, rogando-lhes que ficassem em sua casa. Os
habitantes dessa detestável
cidade, vendo-os tão
belos e tão
apresentáveis, pediram a Ló, em cuja casa eles
haviam entrado, que os entregasse, para que se servissem deles. Esse homem
justo censurou-os, rogando-lhes que tivessem mais compostura, que não lhes fizessem injúria alguma,
ultrajando os estrangeiros que estavam hospedados em sua casa, e que não violassem em suas
pessoas os direitos da hospitalidade. Acrescentou que, se essas razões não os persuadissem,
ele preferia entregar-lhes as próprias filhas. Mas nem isso os
convenceu. Deus contemplava com olhares de cólera a ousadia daqueles celerados, e
feriu-os com tal cegueira que não
puderam achar a saída
da casa de Ló.
Resolveu então
exterminar aquele povo abominável.
Ordenou a Ló
que se retirasse com toda a sua família e avisasse àqueles aos quais as
suas duas filhas, que ainda eram virgens, haviam sido prometidas em casamento
que também partissem. Mas eles
zombaram do aviso, dizendo que era uma das habituais imaginações de Ló. Deus então lançou do céu os raios de sua cólera e de sua vingança contra essa cidade criminosa. Ela foi imediatamente
reduzida a cinzas, com todos os seus habitantes. O mesmo fogo destruiu
toda a região
vizinha, como já
disse na minha história
da Guerra dos Judeus.
35. A mulher de Ló, que fugia com ele,
contrariando a proibição
divina, voltou-se para trás,
a fim de ver a cidade e o terrível
incêndio. Foi
transformada numa estátua
de sal e assim castigada pela sua curiosidade. Falei em outro lugar dessa estátua, que ainda hoje
pode ser vista.
Assim, Ló retirou-se com as duas filhas a um
recanto do país,
o único poupado, que até hoje tem o nome de
Zoar, isto é,
"pequeno". Eles viveram algum tempo com muita dificuldade, tanto
porque estavam sozinhos quanto por trazerem consigo de casa muito pouco
alimento. As duas filhas, julgando que toda a raça dos homens havia perecido, acharam
que lhes era permitido, para conservá-la, enganar o pai. Dessa maneira, a
mais velha teve dele um filho, a que chamou Moabe, que significa "de meu
pai", e a mais jovem deu à
luz Ben-Ami, isto é,
"filho de minha raça".
Do primeiro vieram os moabitas, que ainda hoje são um povo poderoso. Os amonitas são descendentes do
segundo, e alguns deles habitam a Síria de Ceiem. Eis de que maneira Ló se salvou do incêndio de Sodoma.
36. Gênesis 20. Quanto
a Abraão, ele retirou-se a
Gerar, na Palestina. O medo que tinha do rei Abimeleque levou-o a fingir uma
segunda vez que Sara era sua irmã. E esse príncipe não deixou de se
enamorar dela. Mas Deus lhe impediu o perverso desígnio enviando-lhe uma
grave enfermidade, e quando estava abandonado pelos médicos avisou-o em
sonhos de que não
fizesse ultraje algum a Sara, porque era esposa daquele estrangeiro, e não sua irmã.
Abimeleque, encontrando-se um pouco
melhor ao despertar, contou o sonho aos que estavam junto dele e por conselho
destes mandou chamar a Abraão.
Disse-lhe que nada temesse por sua mulher, pois Deus se havia tornado protetor
dela, e que tomava Abraão
como testemunha, tanto quanto ela, de que a devolvia pura às suas mãos. Disse-lhe também que, se tivesse
sabido que era sua esposa, não
lha teria tirado, mas julgara ser ela somente sua irmã, e que não lhe faria injustiça alguma.
Suplicou-lhe então
que não guardasse
ressentimento contra ele, mas, ao contrário, rogasse a Deus que lhe fosse
favorável. E, ademais, se
desejasse habitar nos seus estados, receberia toda sorte de atenções, ou, se pensasse
em retirar-se, fá-lo-ia
acompanhar e dar-lhe-ia todas as coisas que viera buscar em seu país.
Abraão respondeu-lhe que nada dissera
contra a verdade ao chamá-la
de irmã, pois ela era filha
de um irmão
seu, e que havia assim procedido apenas por medo do perigo ao qual se julgava
exposto. Estava muito aborrecido por ter sido a causa da enfermidade do rei e
de todo o coração
desejava-lhe a saúde.
E ficaria com muito prazer em suas terras. Abimeleque, ante essa resposta,
deu-lhe dinheiro e terras e fez aliança com ele, confirmando-a com juramento
junto aos poços
ainda hoje denominados Berseba, isto é, "poço do juramento".
37. Gênesis 21. Algum tempo depois, Abraão teve de sua mulher, Sara, segundo a promessa que Deus lhe havia feito, um filho ao qual chamou Isaque, isto é, "riso", porque Sara havia sorrido quando, sendo já bastante idosa, o anjo lhe anunciou que teria um filho. Ele foi circuncidado ao oitavo dia, segundo o costume que ainda hoje se observa entre os judeus. E, enquanto eles fazem a circunci-são ao oitavo dia do nascimento da criança, os árabes a realizam à idade de treze anos, porque Ismael, do qual são originários e de quem irei falar em seguida, foi circuncidado com essa idade.
Capítulo 12
Sara obriga Abraão a afastar Agar e Ismael de seu próprio filho.
Um anjo consola Agar. Posteridade de Ismael.
38.
Gênesis
22. Sara,
de início, amou Ismael como
se fosse seu próprio
filho, porque o considerava sucessor de Abraão. Quando se viu mãe de Isaque, todavia,
julgou que não
era mais conveniente criá-los
juntos, porque Ismael, sendo muito mais velho, poderia muito facilmente, após a morte de Abraão, tornar-se senhor.
Assim, ela persuadiu Abraão
a afastá-lo, juntamente com
sua mãe. Ele, em princípio, teve
dificuldades em fazê-lo,
porque lhe parecia desumano expulsar de casa uma criança e uma mulher aos
quais tudo faltava. No entanto Deus lhe deu a conhecer que ele devia dar essa
satisfação a Sara. Como Ismael
não era ainda capaz de
se governar sozinho, ele o entregou à mãe, a quem disse que se fosse embora,
dando-lhe apenas alguns pães
e um odre cheio de água.
Depois de se haver esgotado o pão e o pouco de água, Ismael sentiu
tal sede que estava a ponto de morrer, e Agar, não podendo suportar a pena de vê-lo morrer diante de
seus próprios olhos,
colocou-o ao pé
de um pinheiro e afastou-se. Um anjo apareceu e mostrou-lhe uma fonte que
estava próxima,
recomen-dando-lhe que tivesse muito cuidado com o filho e asseverando-lhe que,
se cumprisse bem esse dever, ela seria íeliz. Uma consolação tão inesperada fê-la retomar a coragem: continuou a andar e
encontrou alguns pastores, que a ajudaram em tão grave necessidade.
Quando Ismael chegou à idade de se casar,
Agar deu-lhe por esposa uma mulher egípcia, porque ela também havia nascido no
Egito. Ele teve doze filhos: Nebaiote, Quedar, Abdeel, Mibsão, Misma, Duma,
Massa, Hadade, Tema, Jetur, Nafis e Quedemá. Eles ocuparam toda a região que está entre o Eufrates e o
mar Vermelho e a chamaram Nabatéia.
Os árabes originaram-se
deles, e os seus descendentes conservaram o nome de nabateenses por causa do
seu valor e da fama de Abraão.
Capítulo 13
Abraão, para obedecer à ordem de Deus, oferece-lhe o filho Isaque em sacrifício. Deus, para recompensar-lhe a fidelidade, confirma-lhe todas as promessas.
39. Gênesis 22. Nada
se poderia acrescentar à
ternura que Abraão
tinha para com Isaque, tanto porque era o único filho quanto porque lhe fora
concedido por Deus em sua velhice. E Isaque, por sua vez, praticava com tanto
entusiasmo toda espécie
de virtudes, servia a Deus com tanta fidelidade e prestava a seu pai tantos
serviços que dava a Abraão todos os dias novos
motivos para amá-lo.
Assim, Abraão
só pensava em morrer, e
seu único desejo era
deixar aquele filho como seu sucessor. Deus concedeu o que Abraão desejava, mas antes
quis experimentar a sua fidelidade. Apareceu-lhe e, depois de haver-lhe
lembrado as graças
particulares com que sempre o favorecera, as vitórias que o haviam feito conquistar os
inimigos e a prosperidade com que o brindara, ordenou-lhe que lhe sacrificasse
o filho Isaque sobre o monte Moriá e assim testemunhasse, por aquele ato
de obediência, que ele
preferia a vontade divina ao que ele tinha de mais caro no mundo.
Estando Abraão persuadido de que
nenhuma consideração
poderia dispensá-lo
de obedecer a Deus, a quem todas as criaturas são devedoras da própria existência, nada disse à sua esposa nem a
qualquer outro de seus familiares sobre a ordem que havia recebido de Deus ou
acerca da resolução
de executá-la,
com medo que eles se esforçassem
para dissuadi-lo de seu propósito.
Disse somente a Isaque que o seguisse, acompanhado por dois
criados, e mandou colocar sobre
um jumento todas as coisas de que necessitava para o sacrifício. Após haver caminhado
durante dois dias, avistaram o monte que Deus lhe havia indicado. Deixou então os dois criados no
sopé do monte e subiu-o
somente com Isaque (no cimo desse monte o rei Davi, mais tarde, fez construir
um Templo). Levou para lá
tudo o que precisavam, exceto a vítima, para o sacrifício. Isaque tinha então vinte e cinco anos.
Ele preparou o altar, mas, não
vendo vítima alguma,
perguntou ao pai quem ele queria sacrificar. Abraão respondeu-lhe que Deus, que pode
dar aos homens todas as coisas que lhes faltam e tirar-lhes as que já possuem, dar-lhes-ia
uma vítima, se se dignasse
aceitar o sacrifício
deles.
Depois de haver colocado a lenha sobre
o altar, Abraão
falou a Isaque: "Meu filho, eu vos pedi a Deus com muita insistência e muitas orações. Não houve cuidado que
eu não tivesse tido de vós, desde que viestes
ao mundo, e eu consideraria como realizados todos os meus votos se vos visse
chegar a uma idade muito avançada
e deixar-vos, ao morrer, como herdeiro de tudo o que possuo. Mas, como Deus,
depois de vos ter dado a mim, quer agora que eu vos perca, consenti
generosamente em oferecer-vos a Ele em sacrifício. Prestemos-Ihe, meu filho, esse
ato de obediência
e essa honra como testemunho de nossa gratidão pelos favores que Ele nos fez na paz
e pela assistência
que nos deu na guerra. Como nascestes para morrer, que fim vos pode ser mais
glorioso do que ser oferecido em sacrifício por vosso próprio pai ao soberano
Senhor do universo, que, em vez de terminar a vossa vida por uma doença, numa cama, ou por
uma ferida na guerra, ou por algum outro acidente, aos quais os homens estão sujeitos, vos julga
digno de entregar-lhe a alma no meio de orações e sacrifícios, de modo a ficar
para sempre unida a Ele? Consolareis assim a minha velhice, dando-me a assistência de Deus em lugar
da que eu devia receber de vós,
depois de vos ter educado com tanta diligência".
Isaque, filho digno de tão admirável pai, escutou
essas palavras não
somente sem se admirar, mas até
com alegria, e respondeu-lhe que ele teria sido indigno de nascer se se
recusasse a obedecer à
vontade de seu pai, principalmente quando ela estava de acordo com a de Deus.
Assim dizendo, colocou-se ele mesmo sobre o altar, para ser imolado. Esse
grande sacrifício
ter-se-ia realizado se Deus mesmo não o tivesse impedido. Ele chamou Abraão pelo nome e
proibiu-o de matar o filho, dizendo-lhe que havia ordenado o sacrifício não para tirá-lo depois de o haver concedido ou porque sentia prazer
em ver derramar sangue humano, mas somente para lhe experimentar a obediência. Agora, vendo
com quanto zelo e fidelidade fora obedecido, aceitava o sacrifício e garantia-lhe,
como recompensa, que jamais deixaria de assistir a ele e a toda a sua descendência. Quanto ao filho
que lhe fora oferecido e que iria restituir, viveria feliz e por muito tempo, e
a sua posteridade seria ilustre por uma longa série de homens valentes e virtuosos,
que submeteriam pelas armas todo o país de Canaã. A fama deles
tomar-se-ia imortal. As suas riquezas seriam tão grandes e a sua felicidade tão extraordinária que eles seriam
invejados por todas as outras nações.
Concluído esse oráculo, Deus fez
aparecer um carneiro, para ser oferecido em sacrifício. Aquele pai fiel
e seu filho sensato e feliz abraçaram-se, no auge da alegria, pela
grandeza das promessas, terminaram o sacrifício e voltaram para encontrar Sara.
Deus, fazendo prosperar todos os seus desígnios, cumulou de felicidade todo o
restante da vida de Abraão.
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